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quinta-feira, 8 de setembro de 2011


AUGUSTA PARA MAIORES

por CÉSAR LOPES



Do alto de seus 133 anos, a Rua Augusta, palco de tantas histórias, vira filme: Augustas, que mostra as personagens de uma das ruas mais agitadas da noite paulistana. O diretor é Francisco César Filho

A rua Augusta não dorme. Pelo menos parte dela. Se pegarmos como referência a avenida Paulista e formos em direção aos Jardins, até seu final na rua Colômbia, encontraremos lojas populares e butiques sofisticadas que geralmente fecham as portas cedo. Esse lado descansa. Ao cair da noite, saindo da mesma Paulista em direção ao Centro, até seu início na rua Martins Fontes, a cena muda. Moradores de rua, pixadores, garotas de programa, traficantes, bêbados e viciados convivem com cinéfilos, descolados, roqueiros e modernos no chamado Baixo Augusta. Esse lado insone foi escolhido como universo para o primeiro longa do paulistano Francisco César Filho, 50, o Chiquinho. Baseado no livro A estratégia de Lilith, do jornalista e escritor Alex Antunes, Augustas conta a história de um jornalista que cai de cabeça na tríade mais conhecida do mundo pop: sexo, drogas e rockn´roll. Tudo na Augusta, em São Paulo. “É uma via muito especial. A gente queria mostrar um lado da rua que não fosse nem o trash nem o hype. Queríamos contar a história de pessoas comuns que vivem, trabalham e comem por ali”, explica Chiquinho.



Durante o tempo que as filmagens duraram, as mesas de sinuca do bar O Pescador, de seu Raimundo Cândido da Silva, 51, se transformaram em locação. “Participei do filme jogando bilhar. Colocaram as bolas na boca e aí ficou fácil”, diz seu Raimundo a respeito da atuação discreta nas gravações. Sobre a rua, diz que “até meianoite, é um público que sai do trabalho, de uma faculdade, do teatro. Da meia-noite às 6 da manhã, o nível já é mais baixo”. Silva mora na rua há 29 anos e seu bar fica aberto 24 horas por dia. “O lado das mesas fecha das 7 às 8 para limpeza”, esclarece. Foi lá que Alex, personagem vivido pelo ator e dramaturgo Mário Bortolotto, perdeu na sinuca para seu Raimundo.

Além de levar couro na mesa verde, o protagonista se envolve com muita bebedeira, paixões e até rituais xamanísticos “na rua mais louca da cidade”, diz Bortolotto, 45, em seu primeiro grande papel no cinema. “Na década de 80, vi Besame Mucho no Teatro Augusta, mas gostava de ficar vendo as meninas. Os travestis paravam os carros, pulavam em cima mesmo! À noite era quase impossível passar, aquilo tudo me atraía”. No filme, o personagem se envolve com quatro mulheres, sendo que duas são prostitutas. Uma delas é Jane (Georgina Castro), uma garota que Alex traz do interior para trabalhar na casa dele, mas ela cai na vida e o abandona. “Jane é fascinada pelas luzes, pelas vitrines, coisas que ela não pode ter, como muitas garotas de programa de verdade. Chega preparada para ganhar seu dinheiro nas ruas”, nos conta Georgina, 27, sobre a personagem. A atriz cearense está há três anos em São Paulo e para ela “a rua Augusta é como se fosse parte da minha casa. Como moro perto, vinha para o set a pé. Gosto da liberdade que existe por lá. Você pode andar vestido como quer. Ali todas as pessoas são iguais”, complementa. A prostituta Greiceany, 22, que não revela o verdadeiro nome, acompanhou as filmagens. “Nós somos pessoas
como todas as outras. Também temos sonhos. Eu mesma estou fazendo um curso de instrumentação cirúrgica e logo, logo, bye, bye street”, diz a loura. Mas complementa que gosta da rua e de “uma boa sacanagem”. Mas de onde vem essa atração comum a todos que freqüentam a Augusta?


Tudo começou quando o Conjunto Nacional passou a abrigar a badalada Confeitaria Fasano no final dos anos 1950. Lojas de marca e bons restaurantes atraíram a elite. Atores e intelectuais chegaram com a fama e o local ganhou glamour. Era o centro nervoso de uma São Paulo elegante. Nesse período, abrigou inúmeras garçonieres, onde políticos e empresários davam uma escapadela para encontros fortuitos, como se dizia. Surgia aí uma grande vocação.

Durante a década de 60 foi o paraíso dos playboys que cortavam seu asfalto a 120 por hora, como na famosa música de Hervé Cordovil. A segunda geração de freqüentadores chegou a promover rachas com até 15 carros disputando palmo a palmo suas 18 travessas. Os mauricinhos vintages também iam atrás da azaração de um broto legal. A pegação continuava rolando solta. No final dos anos 1980, o boom dos shoppings centers afastou o comércio considerado nobre e o lugar atraiu putas e travestis. Aí pegou de vez. Virou sinônimo de boca do lixo e do sexo fácil, sendo, inclusive, responsável pela primeira boate gay da cidade.


O cenário atual começou nos anos 1990, quando a abertura de salas de cinema e uma programação cultural acima da média aproximaram outros públicos. Hoje, uma simples passada no circuito Ibotirama-Charm, você fica sabendo que a banda Mono4 tocará na Fun House, que o Out’s promoverá uma batalha de DJs, que todas as quintas tem banda no Rockfellas e que o Marinho do Pavilhão Nove estará no On the Rocks. Além de ser chamado durante todo o tempo pelos puxadores que convidam para “uma cervejinha com as meninas”. Bruno Morais, 28, cantor e compositor acha que “a rua perdeu o estigma negativo que tinha. Você vê hippie, intelectual, jornalista, mendigo. É um catalisador de loucuras”.

As filmagens não foram fáceis. Chiquinho diz que “um dia tivemos que fazer algumas cenas em frente a uns puteiros. Apesar de estarmos com todas as autorizações legais para isso, notamos que as pessoas da área começaram a ficar incomodadas. O pessoal dizia que estávamos atrapalhando, e muito, o movimento naquela noite. Uma hora, fomos intimados a parar de filmar. Depois de três dias de negociações, ficou combinado que eles cederiam um determinado dia da semana para finalizarmos. Lá existem leis próprias muito rígidas e muito respeitadas”. Os roqueiros do Out’s – há cinco anos o espaço das bandas alternativas na cidade – também encontraram dificuldade com as garotas de programa no começo. Valentin Vandermer, 34, proprietário da casa,
explica que “as meninas faziam ponto aqui na porta, mas como a casa começou a encher, elas subiram um pouco. Percebi que começaram a colar com um visual mais roqueiro, pegando carona no nosso público e tentando arrumar novos clientes”.

Rosana diz ter 25 anos e garante que o nome e a idade são verdadeiros. “Só não digo o sobrenome por causa da minha família”, adverte. Para ela, a rua já foi melhor para quem faz programa. “Antigamente a gente era mais respeitada. Hoje a garotada que aparece para a balada não entende nosso trabalho e acaba afastando os homens mais maduros que são quem mais nos procuram. Já vi de tudo em sete anos de Augusta”, garante.

Cercado por boates e prostíbulos por todos os lados, o clube Vegas fica no olho do furacão. Com público freqüentador das classes A e B, seu proprietário Facundo Guerra Riveiro, 34, acha que “a experiência de vir para cá não é agradável para quem não tem boemia na veia. A avenida Paulista é o cartão-postal, mas a Augusta é a rua que representa a diversidade do paulistano, a contradição”. O filme agora se encontra em fase de edição e montagem. As primeiras cópias devem ficar prontas em novembro. “Depois disso, começa a parte mais amarga das negociações que é a distribuição e a exibição. Ainda é complicado para um filme nacional conseguir bons espaços, mas o que eu quero mesmo é passar o filme numa das salas na rua Augusta”, finaliza o diretor.

texto do mano bruka.

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